quarta-feira, dezembro 07, 2011

Longo

Estava num apartamento vazio, e incrivelmente, mesmo paracendo o visitar pela primeira vez, sabia como era a vista daquele andar. Dali conseguia ver os trilhos do trem logo ao lado do prédio seguido de um terreno baldio descuidado.

A essa altura a chuva fina que atravessei para chegar tomara forma e formava enxurradas em qualquer sarjeta que encontrasse, os trilhos estavam já alagados e a água levou pouco tempo para arrastar qualquer tipo de coisa que pudesse atrapalhar a mobilidade do trem, e pelo que parecia, não funcionaria hoje de qualquer jeito.

A luz azul pálida que entrava pelas janelas revelava um ambiente vazio, seco e frio, causava um desconforto misturado com arrependimento que não se fazia entender facilmente. Logo abaixo da janela havia somente uma cama de solteiro sem lençol, as manchas secas no colchão mostravam um usual desleixo, como se aquilo estivesse ali para exatamente ser usado em emergências sórdidas.

Você saiu de um dos cômodos ao fundo da estreita sala principal me fazendo virar bruscamente e dar um mau jeito no pescoço, só consegui te ver de costas, você logo entrou na próxima porta, rápido, mas, o suficiente pra esclarecer o que estava acontecendo.

Fomos para nos encontrar, preparar o terreno para alguma coisa maior, seguiria o desfecho maldoso que inventamos. Não fora a primeira vez que estivemos ali, disso tinha certeza, mas qual fora a última vez que estávamos? Qualquer tentativa de lembrar parecia em vão, mas ficou claro que reconhecer aquela vista não era uma coincidência.

Olhei pela janela denovo e me espantei em como a chuva trouxera vários carros pra cima dos trilhos em tão pouco tempo, a quantidade de água era absurda. Pelo visto ficaríamos mais do que o previsto, se realmente tivesse alguma previsão. Mas, da onde vieram todos aqueles carros que eu não tinha notado antes?

Me destraí ao ouvir passos no corredor se aproximando rápido e certeiro da porta da frente, meus músculos se enrijeceram fazendo meu pescoço dar uma pontada, e então, duas batidas pesadas na porta. Hah, eu já suspeitava, mas não, não abri e você pelo visto também não se importou muito em ter qualquer tipo de reação que o revelasse.

Não sei quanto tempo se passou depois disso, pois, na minha paralisia momentânea me pareceu que o tempo nem tinha passado. Finalmente me mexi, o primeiro movimento foi passar a mão pelos cabelos, resolvi tomar um banho.

O banheiro estava bem limpo, água quente, sabonete, shampoo, toalha, tudo ali. E, sem nenhum sinal de vida em volta, simplesmente me deixei esquecer de tudo que nem sabia e fechei os olhos, deixando a quentura da água quase queimar a minha pele. Então engasguei. Me curvei forte pra frente, esquivando minha cabeça da parede por pouco.

Tinha alguma coisa na minha garganta, não me deixava respirar, estava se mexendo lá dentro, uma aflição misturada com ansia me fez abrir os olhos com força, como se isso fosse expulsar o mal dentro de mim.

Lacrimejando olhei em volta, não consegui levantar meu olhar pra mais do que o rodapé. Vi pequenos lagartos marrons no chão de azulejos azuis, mas, bem pequenos mesmo, pareciam brinquedos. Como foram parar ali não importava agora, se eu não fizese nada talvez sufocaria naquele banheiro limpo de um lugar que eu não sei o nome, mas, o que poderia ser feito?

Agarrando a toalha me escorei no chão e de joelhos ainda tentava por pra fora o ar que insistia em não sair, contrações me faziam curvar ainda mais, meus braços tremiam e eu não conseguiria me sustentar por mais tempo, as forças foram sumindo lentamente, cada piscada ficava mais longa.

Numa última tosse desesperada, saiu devagar, era um lagartinho igual aos outros, só que agora morto. Inspirei o mais fundo que consegui, e, atônita olhei, com a visão embaçada pelas lágrimas, o que tinha acabado de sair de mim ... um bicho morto. Todos os outros que estavam no banheiro ficaram me olhando culposamente e na língua dos mini-lagartos gritaram em coro algumas vezes: "assassina".

Onde você estava nessa hora?

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